Diocese São Carlos mar 5, 2018

Toda criação de Deus é muito boa

Toda criação de Deus é muito boa

Da Redação, Com informações do Pe. Rene José de Sousa (Paróquia São Benedito, São Carlos-SP)

Toda primeira sexta-feira do mês de março, comemora-se em mais de 170 países  o dia mundial da Oração. Tal comemoração surgiu em meados do século XIX, por meio de um grupo de mulheres cristãs dos Estados Unidos e Canadá. O objetivo era conscientizar as pessoas de que o ato de orar ia além de proferir palavras ou fazer penitências, mas também agir efetivamente no auxílio de causas sociais.

No Brasil, o Dia Mundial da Oração começou a ser celebrado a partir do ano de 1938 por um grupo de cristãos da Igreja Presbiteriana e aos poucos foi se difundindo e sendo também comemorado por outros segmentos cristãos, as vezes um pouco isolado, mas nunca esquecido. Esta data não é destinada especificamente a religião cristã, mas, engloba todas as doutrinas que utilizam orações como forma de interceder pela realização de obras benéficas para a humanidade. Nós, de modo particular, por tal dia ter surgido no meio cristão, direcionamos nossas preces por todos os missionários e missionárias do mundo inteiro e pelo bom êxito de seus trabalhos.

Neste ano de 2018, o dia mundial da Oração foi celebrado no dia 02 de março com o seguinte tema: “Toda criação de Deus é muito boa”. Desenvolvendo uma reflexão sobre a criação e o cuidado pela mesma. E o objetivo principal de tal dia, perpassando pelo tema ecológico é orar ao Senhor da messe que envie santas e numeras vocações para as obras missionárias e que sustente os operários (missionários) que doam generosamente suas vidas no campo de missão e que estes, juntamente com o povo que lhe foi confiado, geste uma consciência de que toda humanidade é responsável pela casa em que habitamos, o planeta Terra e por isso a importância de zelar e orar pela mesma. Como vai dizer a carta encíclica do Papa Francisco Laudato Si no parágrafo 69, somos chamados a reconhecer que os outros seres vivos tem um valor próprio diante de Deus e, pelo simples fato de existirem, eles O bendizem e lhe dão glória, porque o Senhor se alegra em suas obras. O estar no mundo e com os outros se traduz num gesto de cuidado concreto, convivência fraterna, amorosa, de compaixão com toda a criação que geme em constantes dores de parto (Rm 8,22), e o som de seu gemido se dá de forma audível e visível na desvalorização da vida humana e na degradação do meio ambiente.

Diante da crescente indiferença pela vida em suas diversas formas de se manifestar, se faz urgente repensar as interferências humanas na biodiversidade, gestando uma consciência que gere “o cuidado como precaução e prevenção face a eventuais danos futuros causados ao meio ambiente e naqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade” (BOFF, 2012, p.61). Pois pelo fato do ser humano estar no mundo, logo se subentende que este é parte integrante deste vasto universo que é sua existência e onde se encontra.

A Terra está viva e nós somos sua porção consciente e inteligente. Não estamos fora e em cima dela, mas participando da rede de relações que envolve todos os seres, para o bem ou para o mal (BOFF, 2012, p.61). A humanidade precisa fazer um movimento inverso, mudar suas atitudes, seu estilo de vida, como foi proposto pelo papa Francisco na Encíclica Laudato Si, abrindo-se a uma mentalidade de um cuidado necessário da casa em que a humanidade habita. A humanidade que precisa mudar. Falta consciência de uma origem comum, de uma recíproca pertença e de um futuro partilhado por todos. Essa consciência basilar permitiria o desenvolvimento de novas convicções, novas atitudes e novos estilos de vida (Laudato Si,202). Sozinho ninguém é capaz, mas quando tal ideal soma-se com todos os outros seres humanos que acreditam neste e que estão dispostos a mudar, algo novo surge, e essa novidade será a alavanca necessária para mudar a consciência e construir um mundo novo, mais justo e fraterno, pois, “se Deus pôde criar o universo a partir do nada, também pode intervir neste mundo e vencer qualquer forma de mal.

Por isso, a injustiça não é invencível” (Laudato Si, 74). E a forma de Deus intervir nesse mundo primeiramente se dá no reconhecimento de que tudo o que existe é criação divina, e por partilhar do mesmo Criador, são nossos irmãos (Laudato Si,1), e em seguida, as Igrejas cristãs se unirem juntamente com as demais religiões e serem as mãos de Deus agindo no mundo, cada uma com sua particularidade, mas em prol de uma causa comum, inspirados por uma espiritualidade ecológica, não divinizando a natureza, mas reconhecendo seu valor e importância.

Não podemos defender uma espiritualidade que esqueça Deus todo poderoso e criador. Nesse caso, acabaríamos por adorar outros poderes do mundo, ou colocar-nos-íamos no lugar do Senhor, chegando a pretensão de espezinhar sem limites a realidade criada por ele. A melhor maneira de colocar o ser humano no seu lugar e acabar com a sua pretensão de ser dominador absoluto da terra é voltar a propor a figura de um Pai criador e único dono do mundo; caso contrário o ser humano tenderá sempre a querer impor à realidade as suas próprias leis e interesses (Laudato Si, 75).

Imbuído por tal espiritualidade, o ser humano despertará sua dimensão mais profunda e bela, que é a cooperação, a compaixão, a sede por justiça e o amor incondicional. Pois a espiritualidade, não retira o ser humano da realidade em que ele se encontra, mas, o torna humano, sensível, pois o remete a sua cotidianidade, seu modo de ser e se expressar no mundo. Pois, a espiritualidade tira o indivíduo da solidão, perdido no mundo e sem raízes, e o reconecta com todas as coisas, como bem explicitou Leonardo Boff em sua obra o cuidado necessário.

Diante de tamanha responsabilidade, todos estão incluídos, até os ateus, pois, “o ateu e o crente vivem na mesma realidade e se confrontam com os mesmos problemas radicais” (QUEIRUGA,1999,p.33), mesmo negando a fé em uma divindade, este pelo fato de ser humano, possui uma espiritualidade , pois esta, é o seu modo de ser e se apresentar no mundo. “Diferem unicamente na resposta que lhe dão. Um pensa que a realidade se basta por si mesma, tal como se apresenta em seu aspecto fáctico e em seu funcionamento empírico; ao passo que ao outro a realidade, com seu próprio modo de ser, indica-lhe que não se funda em última análise em si, mas numa presença criadora que habita, sustenta e promove. Tanto a religião como o ateísmo, tomados em sua origem fundante – ou seja, em seu valor de princípio, de que cada um tem que se apropriar -, não são algo de que se parte, mas conclusão que chega. E essa se chega a partir da mesma realidade: a única que temos e em que vivemos” (QUEIRUGA,1999,p.33).

Mesmo todos esses anseios sendo ainda um sonho, percebe-se aos poucos o raiar da aurora, que vem trazer esperança aos que jazem nessa terra e que lutam por um mundo fraterno, pois é esta que anima e reanima os corpos dilacerados pelo dissabor da ganância, permeada pela cultura do descartável, responsável pela desumanização do ser humano. Cabe aqui recordar as palavras de Rubem Alves e fazer destas o sustentáculo para a realização desse projeto de amor divinal, o de todos serem um (Jo,17,21) em sua diversidade. “É mais belo o risco ao lado da esperança que a certeza ao lado de um universo frio e sem sentido” (ALVES,2007,p.1

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