Diocese São Carlos mar 10, 2017

É uma liberdade’, diz monja que há 30 anos vive enclausurada em mosteiro

É uma liberdade’, diz monja que há 30 anos vive enclausurada em mosteiro

Por Ana Marin* Do G1 São Carlos e Araraquara
*Sob supervisão de Fernando Bertolini, do G1 São Carlos e Araraquara.

Mulheres têm contato restrito com o mundo externo em São Carlos (SP). Religiosas dividem a rotina entre silêncio, preces e momentos de recreação.

Sob clausura, de hábito preto e com uma rotina voltada ao silêncio, orações e trabalho, as monjas passionistas do Mosteiro São Paulo da Cruz, em São Carlos (SP), vivem de uma forma diferente da maioria das mulheres há quase 40 anos. A grade que as separa do convívio com outras pessoas é vista como uma ‘aliança com Deus’.

No Dia Internacional da Mulher, comemorado nesta quarta-feira (8), o G1 conversou com uma delas, que relatou não sentir falta da vida de uma ‘mulher normal’.

“Para nós, é uma liberdade estar longe de tudo isso. Ter que usar salto alto, pintar unha, cabelo, ter dois períodos de trabalho, encontrar tempo para fazer academia, cuidar dos filhos, da casa, do marido”, ressaltou a monja Marta de Jesus Crucificado, que há 30 anos se dedica ao catolicismo no local.

Mosteiro

Fundado em 1771, na Itália, o Instituto das Religiosas da Paixão de Jesus Cristo chegou ao Brasil em 1936 e possui quatro mosteiros no país com a missão de “contemplar, viver e difundir o mistério da cruz”. Em São Carlos, o mosteiro existe há quase 40 anos e o ambiente silencioso contrasta com a rotina barulhenta do Centro da cidade.

As mulheres que escolheram viver ali abriram mão da família, da carreira em uma empresa e do conforto de uma casa para se dedicarem de uma forma mais ‘radical’ à vida religiosa. Na clausura, elas vivem em oração sob votos de pobreza e distantes das influências externas. Ao dizerem “sim” ao convento, passaram a ver o mundo através das grades.

Estilo de vida e grades

Marta Moreira, que passou a usar o nome Marta de Jesus Crucificado após fazer os votos perpétuos, afirmou que a clausura é um ‘carinho’ da Igreja com as monjas.

“São normas que a Igreja fez para proteger nosso estilo de vida, totalmente dedicado à contemplação. Nós precisamos desse distanciamento para termos um ambiente de oração”, disse.

Nenhum visitante, nem mesmo parentes das religiosas, pode entrar no mosteiro. As irmãs que ingressam sabem que não poderão passar dos limites do muro, muito menos tirar férias, ir à praia ou visitar a família. Saídas ocorrem apenas por motivos de saúde e para votar em dias de eleição.

Essa realidade não é vista como um problema, pois elas deram o ‘sim para Deus’ espontaneamente e acreditam que foram escolhidas por Ele.
“A vocação é um chamado de Deus. É um mistério, é uma relação de amor com Deus que entra na nossa vida e não dá para dizer que é algo humano, é algo divino. A clausura pode assustar quem está de fora, para quem está aqui dentro não é um problema, a gente até esquece, existem tantas coisas para viver aqui dentro. Precisamos de um ambiente de solidão e de silêncio para rezar, para conseguirmos levar as necessidades do mundo até Deus”.

O contato com pessoas de fora é sempre feito através de grades. “A grade para nós não é que nem na casa de vocês, para proteger dos ladrões. A grade para nós é um sinal, uma aliança, demonstrando o nosso amor e o nosso compromisso para com Deus, para a Igreja e mais extensivo à humanidade”.

Vida religiosa

No mosteiro, vivem 10 monjas entre 26 e 85 anos, sendo três junioristas, ou seja, em processo de formação. A instrução dura, em média, nove anos.
“Começa com o postulado, noviciado e, no mínimo, seis anos de votos simples. Durante esse tempo, se a irmã não quiser realizar os votos perpétuos, ela pode voltar para casa. As irmãs que fazem os votos perpétuos também podem sair, mas é um processo mais complicado que demora em média três anos, chamamos de exclaustração”, disse.

Antigamente, a idade máxima para entrar no mosteiro era de 30 anos, mas essa regra foi alterada. “No meu tempo, uma moça com 20 anos já sabia se queria se casar ou fazer uma opção como a nossa. Hoje, com 20 anos, a moça está fazendo faculdade. Tem muitas mulheres que chegam numa idade mais madura, de 35 até 40 anos, então nós abrimos as portas para as que querem fazer um discernimento”, contou Marta.

Vestes

As roupas das freiras, chamadas de “hábito”, são usadas de acordo com as orientações da congregação e servem para identificar a vocação. No caso das monjas passionistas, o hábito utilizado é o de cor preta.

“O preto é um sinal de luto, pois vivemos no luto da paixão de Jesus, não é um luto doloroso, pelo contrário, é um sinal de gratidão pelo amor imenso como Deus nos amou. A paixão é a maior manifestação do amor de Deus, maior até que a própria obra da criação. [O preto] é para chocar, é como uma placa para indicar ao mundo e para nós a grandeza do amor de Deus”, afirmou.

A cor preta, segundo Marta, foi escolhida por conta de uma experiência vivida pelo fundador da congregação. “Ele teve uma visão com Nossa Senhora, em que ela estava vestida com um hábito preto e dizendo para ele fundar nossa congregação, para que nos vestíssemos desse modo e anunciar a paixão de Jesus”.

Já o sinal branco do coração, da cruz e das letras é para mostrar como deve ser puro o coração que traz o nome de Jesus gravado. “Um coração sem apego ao pecado”, afirmou Marta.

O peso de ser mulher

Questionada sobre o estilo de vida da maioria das mulheres, a irmã disse que ela e as outras religiosas sentem que o ‘sim para Deus’ é como se libertar do peso de ser mulher nos dias atuais.

“Existe um peso muito grande em cima da mulher. Tem que usar salto alto, pintar unha, cabelo, ter dois períodos de trabalho, encontrar tempo para fazer academia, cuidar dos filhos, da casa, do marido, ter que competir com as outras mulheres o amor do marido e ainda por cima ter que competir com o homem para dizer que é melhor que ele. Então, para nós, é uma liberdade estar longe de tudo isso, a gente respira, podemos ser nós mesmas. Brincamos que temos um marido que não trai nunca, que nos ama do jeito que nós somos”, disse a religiosa.

Viver longe de alguns padrões estabelecidos pela sociedade, contudo, não quer dizer que a vocação é algo simples. “Pelo contrário, nós pregamos muito aquilo que São Paulo pregava, uma busca da santidade, um desafio diário de nos tornarmos melhores para servirmos melhor a Igreja”, disse.

A irmã ainda lembrou que antigamente a mulher se destacava ou só conseguia espaço caso fosse para a vida religiosa. “Antes, a mulher estava embaixo dos pais ou do marido. Hoje, esse campo abriu para a mulher se realizar, mostrar seu papel, seu valor. Talvez o nosso ‘sim’ não apareça tanto nessa ótica, mas o nosso ‘sim’ não deixa de ser um destaque no sentido de ser um sinal. Porque a nossa vida de perseverança mostra que Deus existe, depois mostra que Deus é bom demais”.

Voto de pobreza

Dentro do mosteiro não há nenhum tipo de luxo, as monjas vivem uma vida de simplicidade, apenas com o conforto necessário. “É uma casa com muita simplicidade, talvez muito mais simples que a de vocês. Antes, o nosso ‘sim’ podia ser um destaque, ser uma honra. Hoje, a gente sabe que também é um sinal de contradição, outros não entendem, alguns riem da nossa cara dizendo que estamos perdendo tempo.

Mas ao mesmo tempo ninguém pode dizer que o testemunho não choca, ninguém passa por nós sem se questionar que Deus realmente existe e é isso que a gente anuncia com a vida”, afirmou.
Recreação, televisão e internet

Apesar de viverem isoladas, as religiosas não ficam desconectadas do mundo. O uso da televisão é restrito, mas quando é transmitido algum momento especial para os católicos e notícias sobre guerras, elas assistem aos telejornais. Do contrário, passam os momentos de recreação assistindo a filmes sobre a vida de santos.

Elas também fazem atividades físicas como jogar bola, alongamento, caminhada e bicicleta ergométrica e cantam músicas religiosas com um violão e um teclado.

Além disso, usam a internet como meio de informação tanto para notícias como para tirar riscos de desenhos para bordado. As redes sociais são usadas para divulgar a vocação, espiritualidade e entrar em contato com as jovens.

“Uma irmã que faleceu aos 86 anos foi uma das primeiras, pelo menos no Brasil, a começar a recrutar pela internet. Temos a página no Facebook, um site em fase de construção e um blog”, disse.

Foto: Fabio Rodrigues/ G1

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